quinta-feira, 22 de maio de 2014

Sonhando acordada

Outro dia tive um sonho estranho, eu estava em 1964. O golpe militar tinha acabado de derrubar o presidente João Goulart, e instalado a ditadura no Brasil. Eu usava roupas “antiquadas” e mantinha uma barbinha que não era minha. Estudava em uma escola pública e tinha uma vida bastante conturbada no meio disso tudo.
No sonho vi uma multidão de jovens, assim como eu, gritando pelas ruas. Eles gritavam palavras de ordens até ficarem roucos. Era a luta por um Brasil de eleições diretas, tinha gente de todos os setores da sociedade. Um pouco mais distante, outra multidão podia ser notada, todos estavam com a cara pintada com as cores do Brasil, amarelo e verde; as cores da revolução. Pensei que fosse ano de copa do mundo, mas logo percebi que a luta ali era outra, não era uma comemoração de gol do Brasil. Os cartazes não eram de ídolos do futebol nacional, eram reivindicações deles, minhas, de toda a nação.
Achei tão bonito aquilo, mas ao mesmo tempo tão longe da minha realidade, da minha época, acho que seria inimaginável ver a minha geração lutar daquele jeito, gritar daquele jeito, ir as ruas daquele jeito. Afinal, nós somos a geração “Zuckeberg”, e nos acostumamos a gritar sim, mas no silêncio dos caracteres, EM LETRAS GARRAFAIS. Enquanto aqueles estudantes formavam uma resistência contra o regime militar, expressando-se por meio de jornais clandestinos, músicas e manifestações.



A minha geração jamais se submeteria à agressões que aqueles jovens estavam recebendo somente pelo fato de se manifestarem. Vi do meu lado, nesse sonho louco, um jovem sendo agredido pela polícia. Ele caia ensanguentado, mas não parava de gritar, de se impor. E isso, jamais aconteceria com a minha geração.
Então acordei. Estou novamente em 2013. Que confusão! A televisão mostra milhares de estudantes se manifestando, gritando, reagindo, igualzinho no meu sonho. O que aconteceu? Fiquei confuso, será que a programação continuou a daquela época? Levantei e fui até a janela. De lá vinha o som de milhares de pessoa gritando seus direitos. É realidade!!! É a minha geração de pé, formando um exército de batalha a favor dos direitos do cidadão. Assim como eu, a minha geração acordou!
Essa foto e a crônica ganharam o V Prêmio Depcom da Unemat em Alto Araguaia- MT nas categorias: fotografia e texto opinativo 


A cor do preconceito

As cores são nada mais nada menos que uma percepção visual resultante do reflexo da luz na retina. Tirando as aulas de educação artística na escola e os frustrados quadros feitos na infância, meu contato com as cores, mais amplo e mais íntimo veio na faculdade. Estudando semiótica e fotografia, aprendemos entre outras coisas, sobre cor quente e cor fria e ainda a intenção das cores, você sabia que as cores têm personalidade?

O azul, por exemplo, é uma cor tranquila, que não faz mal para ninguém. Não sou eu que estou dizendo isso, o alemão Ohann Wolfgang Von Goethe, dedicou muitos anos à essa pesquisa. Mas o assunto que quero tratar é tem outra cor. É que esses dias entrei em um Bistrô e enquanto esperava o meu pedido, fiz o que faço sempre, me perdoe os que comem acompanhados e apressadamente mas eu quando como só, me deixo perder em observações do ambiente e principalmente das pessoas, é involuntário, perdoe esta minha indelicadeza de jornalista.

Enquanto observava os tons rosados do ambiente e sentia um leve cheiro de pão assando, uma garotinha e sua mãe conversavam enquanto comiam. Não era bem uma espécie de conversa, a mãe com o celular na mão, vez ou outra dirigia algumas palavras à filha que por sua vez jogava em seu tablet rosa pink e resmungava outras palavras para mãe, sempre olhando para a tela.

Uma das coisas que pude ouvir foi uma exclamação da menina. “Matei o boneco do mal! ” Disse ela vibrando sua conquista. Confesso que fiquei curiosa em saber que tipo de jogo era esse, que aquela menina de apenas uns sete anos jogava com tanta destreza. A mãe, ainda no celular, deu de ombros, a filha tornou a falar: “mãe, o mal não é o preto? ” A mãe continuou a não responder dando espaço para a conclusão da filha que veio logo em seguida: “Deus é do bem e é branco, então o mal é o preto”, matei o boneco certo!



Não sei porque, mas a minha interpretação fugiu do campo semiótico e foi fazer um paralelo com o que as pessoas associam todos os dias.  O preto, e aqui eu estou me referindo ao negro mesmo, é quase sempre associado ao mal, ao ruim, ao perturbador, o malfeitor.


Talvez isso seja culpa de nossa cultura, desde pequenos, aprendemos que o boi da cara preta, ou o preto do saco são personagens que querem fazer o mal, nos desenhos ou programas para criança o negro é sempre o vilão. De uma forma ou de outra, isso acaba entrando e permanece no inconsciente humano que se não for trabalhado, o resultado será mais jovens e adultos intolerantes que podem até cometer crimes pelo simples fato do outro ser de cor escura.


Von Goethe que me desculpe, sei que essa não foi a intenção, mas sua psicologia ajudou muito na formação de pessoas racistas.  Os ensinamentos e lendas que acabam sendo incorporadas pelas crianças são sem dúvida, mais perigosas que o boi da cara preta. Por que como diria Nelson Mandela, “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”