segunda-feira, 2 de junho de 2014

Barreiras por uma baiana sem barreiras


Hora do embarque: 10:30. O clima é agradável em Barra do Garças, tanto que de grosso só levo o segundo nome do estado de origem da passagem, e um agasalho na mala pra me proteger de um possível frio que obviamente, ainda não sinto. Mas vou.

O ônibus parte e além da bolsa com tudo que preciso e não preciso, levo uma mala pequena. Duas mudas de roupa e saudades da Bahia são suficientes.

A Bahia que vou visitar, obedecendo as canções de Cayme, não é a Bahia do litoral, ao qual estou acostumada e morro de saudades. Mas sim a Bahia de Alcyvando Luz, uma Bahia sertaneja, um pouco empoeirada mas tão bonita quanto a outra. Barreiras fica perto de Luis Eduardo Magalhães, que junto com seu nome sempre trás a frase: “a cidade que mais cresce no Brasil”.

à essa altura eu já estava congelando de frio, minha epiderme toda arrepiada me fez abrir a mala e procurar como quem busca água no deserto o capote ou a “blusa”, como aprendi a chamar. Me envolvo em sua costura protetora como um feto se envolve no útero protetor de uma mãe.

Espirros e dor de cabeça, acho que vou levando uma gripe também. Viajantes sempre levam mais do que acham que levam na bagagem. Me olho no reflexo da janela, meus olhos grandes estão meio tristonhos já meus lábios dizem o contrário, esboço um sorriso para o vidro mas não me convenço, olhos e boca não combinam.

Chego em Barreiras já sem frio e encontro com Jussara. Uma mulher alegre e receptiva me abraça como mãe mesmo sem conhecer a tal filha que viera de Mato Grosso. Em sua casa, os olhos azuis meio esverdeados de Rafa me encaram desconfiados da porta do quarto da sua irmã, que a estranha (eu) ocupa. Digo oi mas ele envergonhado esconde o rosto com as mãos. Com o tempo isso passa e a minha presença em sua casa se torna mais comum.

A noite, me arrumo para sair com Dani, minha nova amiga. Enquanto isso Jussara prepara bandeirolas para o São João. Lembrei de tanta coisa, São João é a minha festa preferida, primeiro pelo frio depois pela comida. Mas há tempo me privo desse luxo junino que só sendo nordestino pra saber como é bom.

Dani e eu temos duas coisas em comum, a primeira é que nascemos em Ilhéus. A segunda é que sonhamos com as ondas do mar. A noite de sábado já valeu pelo acarajé no prato, servido por um negão massa vestido com a camisa do Bahia, bem alto astral bem baiano, com jeito de casa mesmo.

Nunca paguei seis reais tão contente. É que a gente quando não tem por perto o que é nosso, passa a dar mais valor, e mesmo estando com o nariz entupido e não sentindo o gosto do caruru e nem do vatapá estive contente.

Domingo deveria ser o dia mundial da família, porque não tem jeito, em qualquer lugar que se vá, domingo é dia de estar em família mesmo que seja pra não fazer nada. Mas juntos. A família que me acolheu sem nem me conhecer, foi para  a Chácara de se José e dona Maria, o casal de nomes mais comum desde que o mundo é mundo. A festa de São João vai ser ali, o Rio Grande arrudeia por trás  e deixa o clima mais úmido e a vista mais bonita. Mas além dos nomes, aquele casal que completara 50 anos de casados em fevereiro não tinha nada de comum. A simplicidade dos dois é o que tornava tudo tão belo.


Dona Maria passa o café em cima da pia, daqueles bem preto, cheiroso, e familiar que só um café passado na roça consegue ser. Para acompanhar, pão, queijo, requeijão (feito por ela) e bolo. Mesa farta de comida, palavras e principalmente de afeto. Tenho saudades desse afeto familiar dominical na minha própria casa, mas não me senti estranha ali. Pelo contrário, aquele café me lembrou que a felicidade é simples e cabe dentro do que já existe em nós mesmos.

Entre um latido e outro dos cachorros que são pagos com restos de comida para fazer exatamente isso, e uma risada ou outra dos meninos fazendo estripulia no galinheiro eis que todos param para ouvir os gritos de Dani. Nós estávamos sentadas em um tronco caído na sombra, observando o rio e jogando palavras na água que passava, para nunca mais ser a mesma. 

E quando nos levantamos a gansa danou-se a correr atrás de nossas canelas finas e desajeitadas. Nunca tinha corrido de um bicho daquele e confesso que foi divertido. Todo mundo riu, menos Dani atônita de medo, ficou vermelha e depois de tomar um copo d’agua (gelada) aconselhada por dona Maria pra passar o susto, ela até que riu.

O que me levara  à cidade, foi a inscrição em uma prova. Depois de fazé-la Deus armou para que Dani esquecesse de levar minhas coisas para de lá partir para a rodoviária, e nos obrigou a voltar para a Chácara. Foi bom, ja que me despedi de todos novamente. Rafa que à essa altura já sabia até que meu nome era Graci e não Graça me deu um sorriso largo, nada parecido com o garotinho tímido de sábado. Nanda também me abraçou e eu afaguei seus cabelos pretos. Me despedi de todos, prometendo voltar mesmo não sendo aprovada no concurso. 


Já no ônibus agradeci a Deus por ter vivido para conhecer um pedacinho a mais de Bahia e de mundo e mais ainda por sempre ter pessoas especiais em meu caminho viajante. Agora na mala estão as duas mudas de roupa, lembranças gostosas desse final de semana bucólico e familiar e novos números de telefone na minha agenda marrom de jornalista.