Hora do embarque: 10:30. O clima é agradável em Barra do Garças, tanto que de grosso só levo o segundo nome do
estado de origem da passagem, e um agasalho na mala pra me proteger de um
possível frio que obviamente, ainda não sinto. Mas vou.
O ônibus parte e além da bolsa com
tudo que preciso e não preciso, levo uma mala pequena. Duas mudas de roupa e
saudades da Bahia são suficientes.
A Bahia que vou visitar,
obedecendo as canções de Cayme, não é a Bahia do litoral, ao qual estou acostumada
e morro de saudades. Mas sim a Bahia de Alcyvando Luz, uma Bahia sertaneja, um
pouco empoeirada mas tão bonita quanto a outra. Barreiras fica perto de Luis
Eduardo Magalhães, que junto com seu nome sempre trás a frase: “a cidade que
mais cresce no Brasil”.
à essa altura eu já estava
congelando de frio, minha epiderme toda arrepiada me fez abrir a mala e procurar como quem busca água no deserto o capote ou a “blusa”, como aprendi a chamar.
Me envolvo em sua costura protetora como um feto se envolve no útero protetor
de uma mãe.
Espirros e dor de cabeça, acho
que vou levando uma gripe também. Viajantes sempre levam mais do que acham que
levam na bagagem. Me olho no reflexo da janela, meus olhos grandes estão meio
tristonhos já meus lábios dizem o contrário, esboço um sorriso para o vidro mas
não me convenço, olhos e boca não combinam.
Chego em Barreiras já sem frio e encontro com Jussara. Uma mulher alegre e receptiva me abraça como mãe mesmo
sem conhecer a tal filha que viera de Mato Grosso. Em sua casa, os olhos azuis
meio esverdeados de Rafa me encaram desconfiados da porta do quarto da sua
irmã, que a estranha (eu) ocupa. Digo oi mas ele envergonhado esconde o rosto
com as mãos. Com o tempo isso passa e a minha presença em sua casa se torna
mais comum.
A noite, me arrumo para sair com
Dani, minha nova amiga. Enquanto isso Jussara prepara bandeirolas para o São
João. Lembrei de tanta coisa, São João é a minha festa preferida, primeiro pelo
frio depois pela comida. Mas há tempo me privo desse luxo junino que só sendo
nordestino pra saber como é bom.
Dani e eu temos duas coisas em comum, a primeira é que
nascemos em Ilhéus. A segunda é que sonhamos com as ondas do mar. A noite de
sábado já valeu pelo acarajé no prato, servido por um negão massa vestido com a
camisa do Bahia, bem alto astral bem baiano, com jeito de casa mesmo.
Nunca paguei seis reais tão contente. É que a gente quando não
tem por perto o que é nosso, passa a dar mais valor, e mesmo estando com o
nariz entupido e não sentindo o gosto do caruru e nem do vatapá estive
contente.
Domingo deveria ser o dia mundial da família, porque não tem
jeito, em qualquer lugar que se vá, domingo é dia de estar em família mesmo
que seja pra não fazer nada. Mas juntos. A família que me acolheu sem nem me
conhecer, foi para a Chácara de se José e
dona Maria, o casal de nomes mais comum desde que o mundo é mundo. A festa de São João vai ser ali, o Rio Grande arrudeia por trás e deixa o clima mais úmido e a vista mais bonita. Mas além dos nomes, aquele
casal que completara 50 anos de casados em fevereiro não tinha nada de comum. A simplicidade
dos dois é o que tornava tudo tão belo.
Dona Maria passa o café em cima da pia, daqueles bem preto,
cheiroso, e familiar que só um café passado na roça consegue ser. Para
acompanhar, pão, queijo, requeijão (feito por ela) e bolo. Mesa farta de comida,
palavras e principalmente de afeto. Tenho saudades desse afeto familiar
dominical na minha própria casa, mas não me senti estranha ali. Pelo contrário,
aquele café me lembrou que a felicidade é simples e cabe dentro do que já
existe em nós mesmos.
Entre um latido e outro dos cachorros que são pagos com
restos de comida para fazer exatamente isso, e uma risada ou outra dos meninos
fazendo estripulia no galinheiro eis que todos param para ouvir os gritos de
Dani. Nós estávamos sentadas em um
tronco caído na sombra, observando o rio e jogando palavras na água que
passava, para nunca mais ser a mesma.
E quando nos levantamos a gansa danou-se
a correr atrás de nossas canelas finas e desajeitadas. Nunca tinha corrido de um
bicho daquele e confesso que foi divertido. Todo mundo riu, menos Dani atônita
de medo, ficou vermelha e depois de tomar um copo d’agua (gelada) aconselhada
por dona Maria pra passar o susto, ela até que riu.
O que me levara à cidade, foi
a inscrição em uma prova. Depois de fazé-la Deus armou para que Dani
esquecesse de levar minhas coisas para de lá partir para a rodoviária, e nos obrigou a voltar para a Chácara. Foi bom, ja que me
despedi de todos novamente. Rafa que à essa altura já sabia
até que meu nome era Graci e não Graça me deu um sorriso largo, nada parecido
com o garotinho tímido de sábado. Nanda também me abraçou e eu afaguei seus cabelos
pretos. Me despedi de todos, prometendo voltar mesmo não sendo aprovada no
concurso.
Já no ônibus agradeci a Deus por
ter vivido para conhecer um pedacinho a mais de Bahia e de mundo e mais ainda
por sempre ter pessoas especiais em meu caminho viajante. Agora na mala estão
as duas mudas de roupa, lembranças gostosas desse final de semana bucólico e
familiar e novos números de telefone na minha agenda marrom de jornalista.